quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

ENTREVISTA COM O SECRETÁRIO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL DO GOVERNO RUI COSTA


Jerônimo Rodrigues: 'Temos a maior população rural'


O titular da recém-criada Secretaria de Desenvolvimento Rural, Jerônimo Rodrigues, diz que a pasta tem um lado claro e um objetivo claro: promover o acesso à terra por meio da reforma agrária e alavancar a agricultura familiar. Mestre em Desenvolvimento Rural pela Ufba, Rodrigues defende que a terra deve cumprir um papel social.
Apesar de ser uma secretaria nova, as ações para o desenvolvimento rural já começaram. Qual será o papel da Secretaria de Desenvolvimento Rural?
Primeiro, no governo do estado, em 2007, o governador Jaques Wagner criou uma superintendência da agricultura familiar. E não podemos negar o papel dos movimentos sociais, pois todos os organismos que defendem a agricultura familiar, os trabalhadores, os indígenas e os quilombolas vêm pleiteando um lugar como esse muito antes do governo Jaques Wagner. Então organizou-se mais a CAR (Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional), a CDA (Coordenação de Desenvolvimento Agrário) e, durante aquela arrumação, andamos bem com ações de crédito e assistência técnica, de garantia de safra, de agroindústria. E os movimentos continuaram perseguindo novas conquistas. E pleiteando uma postura que já vem do governo federal, muito antes do governo Lula,  separou-se o que era agricultura, com o Ministério de Agricultura e Abastecimento, e criou-se o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que cuida da reforma agrária.
E agora o governador Rui Costa segue esta linha.
Sim. O governador vem da Casa Civil e das Relações Institucionais e tinha noção da importância disso e a justificativa não era meramente um ato político, mas um ato de resposta à demanda latente. Nós temos a maior população rural (do Brasil): quatro milhões de pessoas no campo. E 90% dos municípios da Bahia têm abaixo de 50 mil habitantes, e isto caracteriza uma economia eminentemente forte na área rural. Outro argumento (para criar a secretaria) é o percentual do número de propriedades de agricultura familiar: novamente somos o estado com o maior número, com cerca de 700 mil propriedades. Há ainda a justificativa da produção de alimentos. Quem é que produz feijão, mandioca, frango, caprinos e hortaliças? A agricultura familiar. Mais de 70% da comida posta na mesa do baiano vem da agricultura familiar.
Isso é curioso porque a visão que se tem é que a maior parte da comida que vem para a mesa é do agronegócio. O que é produzido em pequenas propriedades, ao menos no imaginário, está ligado àquele alimento alternativo, que levaria menos agrotóxico.
Realmente a sociedade não tem esse conhecimento. O agricultor comercial produz em grande escala para dar lucro ao seu empreendimento e nesta produção, se for voar o oeste, você verá as extensões dos latifúndios de soja e de algodão. São imensos. Mas a gente não come soja no dia a dia, que é produzida para alimentação animal nos Estados Unidos, no México, Canadá. Exportamos aquilo, o que é bom para a gente. A gente não come algodão, mas exporta. Mas quando a gente vê o frango e vê as grandes marcas, aquilo é integração. Quem produz na ponta é o pequeno. E quanto ao tema do meio ambiente, não é nem que o agricultor rural produza um produto orgânico porque ele quer entrar no mercado, é porque a natureza dele e a renda não permitem que ela possa comprar adubos químicos e venenos; segundo que há formas variadas de cultura. Então se consomem frutas sem aquela quantidade de agrotóxicos, que são necessários aplicar para quem produz em grande escala. Mas aqui não vai "colar" que há uma secretaria dos ricos  e outra para os pobres, como ocorreu com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério da Agricultura.
Por quê?
Aqui não vai colar dizer que tem uma Seagri dos ricos e uma SDR dos pobres porque quando se produz alimentos a gente interfere no tema da cesta básica. Então eu posso ter uma cesta básica mais barata porque não importo feijão, farinha, hortaliças. E quem calcula a inflação faz isso com base nesses produtos. Aquilo que é tido como economia de pobre interfere em temas macro, como a inflação. Aproximadamente 75% das pessoas que estão ocupadas no campo estão na agricultura familiar, que utiliza muita mão- de-obra.
Uma das queixas dos movimentos sociais é que, quando há assentamentos, falta quase sempre infraestrutura para a produção, mas também faltam educação, saúde, condições dignas para morar.
A concepção do governador Rui Costa é que esta é uma secretaria do desenvolvimento econômico. A intenção é fazer que a renda da agricultura familiar se eleve, tanto no PIB quanto na rentabilidade familiar. O nosso enfoque é no produtivo, mas vamos articular políticas, por exemplo, de habitação rural. Resolver o déficit de moradia no campo é com a Sedur, mas temos sentado para contribuir. Mas a gente não consegue desenvolver a agricultura se o agricultor não consegue se comunicar. Temos que ter comunicação virtual, com internet, que auxilie o agricultor no comércio,  na compra de insumos. Não é nossa responsabilidade instalar torres de celular, mas estamos indo lá articular, assim como a energia, sem a qual não consigo produzir. Então essa articulação é importante para segurar o povo no campo.
Há também a questão das comunidades indígenas, como no sul da Bahia, onde há conflitos pela terra com os produtores da região.
O tema da terra não é um tema fácil. Por mais que o presidente Lula e a presidenta Dilma (Roussef) tenham buscado regularizar as políticas, garantir a titularidade de terra de povos tradicionais é um negócio muito difícil, muito duro. Pois há briga política. De um lado os movimentos sociais e do outro os empresários. O mais difícil é quando há conflito entre indígenas e pequenos produtores. Esse é um tema de justiça, pois o elemento básico do desenvolvimento rural é o acesso à terra. Há pessoas que moram em terra de herança, terra de sucessão, mas não têm o documento da terra, pois têm só um recibo que a pessoa passava, que não é um documento cartorial com o qual não se consegue tomar crédito, por exemplo. E o brasileiro partidarizou muito o tema da reforma agrária, como sendo de um partido ou de outro, de um grupo ou de outro, e não concebemos a reforma agrária como meio de desenvolvimento. Não dá para conceber uma propriedade com cem mil hectares improdutiva. Está na lei a função social da terra. Nós temos um sistema arcaico e conservador de ver esses temas, tal qual a reforma urbana. Vamos ter que discutir isso com o Incra, com a própria Secretaria da Agricultura. Nós temos que trabalhar juntos.
O senhor acha que deve haver um limite para a propriedade privada?
No histórico da reforma agrária no Brasil, há a questão do módulo rural e módulo fiscal. O primeiro é para o governo fazer a cobrança do impostos. Já no módulo rural o conceito é o tamanho ideal de uma terra para uma família sobreviver. Esse tamanho não é igual na Bahia. Em Jeremoabo ou em Canudos, será necessário mais terra porque chove menos. Na região litorânea, onde o solo é mais pobre, precisa de outra quantidade. Uma reforma agrária no Brasil teria vários tamanhos ideais para a sobrevivência. É um conceito que está na lei, inclusive no Estatuto da Terra de 1964, na época da ditadura. É avançado, mas conseguimos retroceder no direito da terra, inclusive na Constituição de 1988, que é mais retrógrada que a lei de 1964. O conceito da reforma agrária é que a gente compreenda o papel social da terra, este seria o ideal.
Então o senhor vai tentar agir para conciliar todos estes ideais?
Eu sou da política, domino o tema, mas o meu papel é fazer a proteção, não doentia, mas a defesa de uma política que fortaleça a agricultura familiar. Do agronegócio é a Seagri. Isto está muito claro para a gente. Esta secretaria foi criada para fortalecer a economia da agricultura familiar, a reforma agrária, dos indígenas. Mas para isso eu não preciso sair batendo. Ao secretário Paulo Câmara (da Agricultura), vou dizer: "Aqui é a sua área e aqui é a minha. Onde vamos poder andar juntos?". Pois não vamos conseguir, e nem é papel nosso, fazer parte do MST, nem da Fetag ou da Fetraf ou das cooperativas, com núcleos que têm disputa. Mas essa secretaria está clara. Ela tem público, lado, pois encontra-se na Bahia agricultor familiar que nem documento tem, não tem nem identidade, e não pode sequer acessar as políticas sociais do Bolsa Família. Vamos encontrar também os "melhorados", que precisam de outro tipo de esforço: estimular a pegar um crédito, orientar o crédito dele, a fazer uma cooperativa para beneficiar a fruta, a carne de caprino, seja o que for. E tem os dinâmicos, que não precisam olhar para o retrovisor, esperando o estado levar uma benesse para ele. Em Manoel Vitorino, há 20 dias, a solicitação era uma torre de celular porque eles estão querendo vender polpa de umbu, o suco de maracujá.
A intenção é entrar o mercado?
Nós temos que parar com essa coisa de que temos que ter medo do mercado. Vou dar o exemplo da fruta. Teremos um futuro com um consumidor cada vez mais exigente com o produto orgânico, de melhor qualidade. E a agricultura familiar faz isso naturalmente. Uma boa graviola produzida sem a química pode custar R$ 7 o quilo. Uma da química, uns R$ 3. Se chego para tomar um suco, em geral pego uma com preço barato; para comer, quero uma coisa de maior qualidade. O frango de granja por ser vendido por R$ 1 ou R$ 2 por quilo. O orgânico por R$ 4 ou R$ 5. Então a tendência do consumidor é ser exigente e nós temos uma possibilidade muito grande de um mercado para a agricultura familiar. Mas tenho que mexer com a educação, com o modelo de alimentação e o regime de vida.